Nos últimos anos, tenho recebido em consultório um número impressionante — e profundamente preocupante — de crianças e adolescentes chegando com diagnósticos de TDAH, TOD ou Autismo. Muitas famílias chegam assustadas, acreditando que seus filhos “têm algo grave”, quando, na verdade, nem sempre houve uma avaliação completa, responsável e multidisciplinar.

É fundamental ressaltar: sim, existem crianças e adolescentes que realmente apresentam esses transtornos e que precisam de cuidado especializado — inclusive, em alguns casos, de medicação.
O tratamento correto pode transformar vidas. O problema não está nesses casos, mas na avalanche de diagnósticos precipitados, feitos às pressas, apoiados em observações superficiais ou baseados exclusivamente em comportamentos esperados para a idade, mas incompatíveis com as expectativas adultas de um mundo acelerado.

É doloroso perceber que muitas dessas crianças não estão doentes; estão sobrecarregadas, hiper estimuladas, desconectadas da própria experiência infantil. Estão crescendo em um ambiente onde telas ocupam um espaço central, oferecendo estímulos intensos, imediatos e altamente dopaminérgicos. O cérebro delas se acostuma ao ritmo rápido, às recompensas instantâneas, à ausência de espera.

Diante disso, pedir que uma criança preste atenção numa aula, faça uma lição, tolere a frustração ou simplesmente espere… se torna um desafio enorme. Não porque exista necessariamente um transtorno, mas porque seu sistema emocional e cognitivo foi educado por um tipo de estímulo que funciona na lógica da urgência e da distração contínua.

Como disse Donald Winnicott, “É no ambiente suficientemente bom, com limites firmes e amorosos, que a criança se sente segura para existir e se desenvolver.”
Os limites não são castigos — são continentes. São aquilo que permite à criança organizar sua vida emocional, aprender a esperar, a lidar com frustração, a tolerar tensões internas e externas.

Quando esses limites falham, o próprio desenvolvimento se fragiliza. E é justamente essa fragilidade que muitas vezes tem sido confundida com patologia.

A medicalização precoce, sem aprofundamento, se torna uma saída rápida — porém perigosa. Porque, antes de serem pacientes, essas crianças precisam ser vistas como crianças.

Precisamos devolvê-las à experiência do real: ao contato humano, à rotina, aos limites, à presença emocional, ao tempo que as telas substituíram.
Precisamos, acima de tudo, devolver-lhes o direito a avaliações responsáveis, honestas e cuidadosas.